domingo, 27 de fevereiro de 2011

Mulheres da lei


Elas chegam à cena de um crime prontas para desvendar todos os mistérios e fazer com que prevaleça a justiça

Jane e Telma. Detalhes ajudam a desvendar diversos casos de homicídio. Foto: Felipe Rau/AE



Ninguém imagina por onde já andaram a delegada, a perita e a fotógrafa da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo. Ao lado de uma especializada e competente equipe, já desvendaram os mais escabrosos crimes. São mulheres com mais de uma década de experiência de trabalho na área criminal, e com envolvimento em situações duras e desafiadoras.
Perder o sono durante uma investigação não é novidade. Contam que lhes causa repulsa, por exemplo, ter de encarar um homem que se diz pai e estupra a filha de 2 anos. Por vezes, saem de si. "Dá vontade de matar. Fico abalada em ter de olhar para o autor, bem ali na minha frente", desabafa a perita Jane Pacheco, chefe do setor de perícia da DHPP.
Batalhadoras e corajosas, lutaram contra o pré-conceito para chegarem onde estão. "Era eu e a Elisabete Sato entre 60 homens", recorda-se Jane, referindo-se à delegada de polícia divisionária de homicídio da DHPP. Jane Pacheco é uma pianista que se formou em Biologia e Direito, e estudou sapateado. É casada há 25 anos com um coronel da PM, e mãe de um advogado de 23 e de uma farmacêutica de 21 anos.
Quem a vê tão bela, de unhas e lábios pintados, cabelo bem escovado e carregando um celular enfeitado com cristais, não imagina que foi a primeira perita criminal, profissão que a obriga a sair em busca de provas que apontem o autor de um homicídio. Apesar disso, não gosta de armas de fogo nem mexe em animal morto, pois sente pena. E sente aflição com agulhas. "Sou louca para aplicar botox, mas só se for com anestesia geral", brinca.
Aos 21 anos, prestou concurso e, aos 22, já estava na rua. Como é filha única de um delegado renomado, diz que as pessoas pensavam que ela só queria se encostar. Olhava e pensava consigo: "coitados, não sabem quem eu sou." Foram anos de batalha até chegar à chefia do setor de perícia da DHPP. Quando começou na profissão, não havia mulheres fazendo esse trabalho na rua.
Diz que aprendeu com a experiência do dia a dia, pois não encontrou informação em livro nenhum. Adquiriu a fama de "zica", pois os crimes de repercussão acontecem sempre no seu plantão, mas, para ela, isso é sorte. Enfrentou desde o caso da morte do governador do Acre, Edmundo Pinto, em 1992, até o recente assassinato da advogada Mércia. Ainda, a morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, e dos garotos da Praia Grande; a queda do avião da Transbrasil; o crime de Suzane Von Richthofen.
Na entrada da sua sala, uma placa passa o recado: "no stress!". Mas muito criminoso já cruzou aquela porta para ser interrogado por ela. Também é lá dentro que reúne sua equipe para desvendar os crimes. "O perito monta o quebra-cabeça. E quando uma peça não se encaixa, o acusado que achar que consegue blefar vai ter de provar a verdade. Na reconstituição é difícil mentir", explica.
A perícia é a prova técnica. Mesmo quando o criminoso é confesso, é necessário fazê-la, para que não haja mal entendido durante um futuro interrogatório ou diante do juiz. O difícil é não se envolver emocionalmente. "Respiro fundo e faço", diz. Apesar de tudo, Jane nunca pensou em desistir. "Sou muito realizada. Não poderia ter feito outra coisa na vida."
Olhos de lince. Ela nasceu para ser policial. É daquelas que tem faro e paixão pelo que faz. Herdou do pai a vocação para a fotografia, sonha em ocupar a cadeira de delegada, mas se diz realizada com o trabalho que exerce hoje. A fotógrafa Telma Rocha formou-se em Magistério, mas justamente no dia da colação de grau, quando pegou o diploma, viu seu nome na primeira linha da lista de aprovados do concurso para fotógrafos da polícia. Deu adeus aos ex-futuros-alunos e entrou para o grupo de perícia da DHPP. Fez o curso preparatório da Academia de Polícia e, mais tarde, matriculou-se no curso de Direito.
Poderia ter sido fotógrafa de trânsito (acidentes), de patrimônio (roubos), de laboratório (peças que serão examinadas) ou de vistorias, mas escolheu o crime contra a pessoa. "Gosto de olhar na cara do suspeito, participar do interrogatório, tentar descobrir o autor, fazer diligência, abordagem e, principalmente, dirigir a viatura", descreve. "Sou fotógrafa, dou palpite, e sou polícia."
Com as fotos, pode montar a cena e a história do crime, para que o juiz seja "transportado" para o local do homicídio. As imagens também são importantes para o trabalho do desenhista, que geralmente monta um storyboard baseado no laudo técnico. Mas quando tem as fotos em mãos, não fica nenhuma peça fora do lugar. "É uma prova a mais", resume.
Telma é a primeira a entrar na cena do crime e a última a sair. Fotografa todos os acessos, fechaduras, arrombamentos. Foi dela a foto que incriminou o "maníaco do parque", a qual mostrava uma mordida no corpo de uma das vítimas. A partir disso, o acusado foi levado a uma perita dentária, que fez o molde de sua boca e traçou a arcada dentária daquela mordida. Até então, ele negava qualquer participação nos crimes.

Elisabete. Delegada não mede esforços quando se prepara para impor a lei. Foto: Felipe Rau/AE


Delegada tintureira. Quando era vivo, o pai da delegada de polícia divisionária de homicídio, Elisabete Sato, tinha uma lavanderia. Certa vez, ela, filha única que sempre o ajudava com as entregas, saiu para atender uma cliente. Quando a dona da casa abriu a porta, levou um susto: "Você não é a delegada que apareceu ontem no Fantástico?", indagou. Sim, um dia após mostrar seu rosto em rede nacional, lá estava ela de volta à rotina de filha dedicada. Hoje, só guarda as lembranças. Desde que os pais faleceram, vai ao cemitério todo domingo para levar flores.

"O que sou hoje devo a Maria Cândida Sato, que saiu da miséria de Alfenas, em Minas Gerais, para trabalhar em casa de família, onde só podia comer resto de comida", conta, enquanto as lágrimas correm pelo seu rosto alvo.

Elisabete é formada em Biologia e ingressou na Polícia Civil do Estado de São Paulo em 1976. Foi escriturária, investigadora e se apaixonou por investigação de homicídios. Voltou à faculdade para cursar Direito, pois queria ser delegada. "Foi um sacrifício, chegava em casa meia-noite e meia, e antes das sete horas, já estava de pé", lembra. Em 1989, tornou-se delegada de carreira.

Para resumir seu extenso currículo, foi delegada da primeira Delegacia de Defesa da Mulher. Na DHPP, foi titular da delegacia de lesões corporais e tentativa de homicídio, chefiou o grupo especial de investigações sobre crimes contra a criança e adolescente, e foi delegada divisionária de proteção à pessoa. Depois foi convidada para trabalhar no Denarc, quando quatro delegados mal haviam esquentado a cadeira. Até que o secretário de segurança chegou à conclusão de que uma mulher poderia dar certo.

Hoje, como delegada divisionária, chefia cinco delegacias especializadas em homicídios, latrocínios e lesões corporais dolosas. Os colegas de trabalho contam que já viram muitos parentes de vítimas se consolarem no ombro de Elisabete. E ela corresponde.
É justamente o fato de não conseguir ficar insensível a um crime o que a impulsiona a descobrir seu autor.



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