terça-feira, 1 de março de 2011

Poder feminino contra o crime

Márcio Fernandes

Dos 18.134 cargos das policiais Civil, Militar e Bombeiros, pouco mais de 10%, 1.862, são ocupados por mulheres. O percentual pode parecer pouco, mas mostra a ascensão do sexo feminino nos aparatos de segurança do Estado.

No último concurso público para o ingresso na carreira de Policial Civil, ocorrido em 2008, começou a ser evidenciada a tendência de o sexo feminino ocupar mais vagas do que os homens em uma das três funções disponíveis. Para o cargo de agente foram aprovadas 254 mulheres contra 92 do sexo masculino. No caso dos escrivães a competição quase ficou empatada, com 122 vagas para os homens e 104 para as mulheres. Enquanto até a década de 1990 no máximo cinco delegadas eram aprovadas por concurso, em 2008 elas chegaram a 31 contra 99 do sexo masculino.

A realidade é bem diferente da notada há 55 anos, época da primeira experiência brasileira e da América Latina de ingresso das mulheres nas Polícias Militares (PM), que ocorreu em 1955 em São Paulo. Mais de meio século depois elas estão presentes em todas as corporações civis e militares de norte a sul do País. Das 27 Unidades da Federação e do Distrito Federal, só houve em Rondônia experiência única de uma policial assumir o topo da cadeia de comando da instituição. “Acredito que em Goiás ainda não chegou a hora de uma mulher ocupar o cargo de comandante-geral, mas estamos nos preparando para isso e acredito que daqui a dez anos essa realidade se confirme”, comenta a tenente-coronel Helena Aparecida Damásio, policial mais bem graduada da PM de Goiás.

A oficial faz parte da primeira turma do sexo feminino a ingressar na corporação em 1986, quando três mulheres romperam a barreira de gênero e começaram a carreira de soldado. Hoje o quadro da PM estadual é composto por 819 mulheres entre 12.700 integrantes. Pioneirismo também é a marca da delegada da Polícia Civil de Goiás, Nadir Cordeiro, fundadora da Delegacia de Proteção da Mulher no Estado em 1979. Na década seguinte, Nadir ficou famosa por enfrentar o tabu do machismo que se impunha em uma sociedade atrasada e onde a violência doméstica contra a mulher era sinônimo de impunidade.

Como a unidade policial que ela comandava não possuía carceragem, a delegada não hesitava em algemar criminosos nas grades das janelas e expô-los ao conhecimento público. Nadir lembra que, na época, era tachada de “mal-amada”, “sapatão” e que recebeu, em diversas ocasiões, sentença de morte por parte de agressores, inclusive de políticos. “Não foi só em uma oportunidade que me enviaram coroa de flores anunciando a minha morte, mas sempre persisti por entender que tinha uma missão a cumprir e que a autoridade não estava no sexo e sim na determinação de quem exerce o cargo dentro da legalidade”, ressalta a delegada que hoje ocupa a função de Adjunta no 8º Distrito Policial de Goiânia.

Soldado da linha de frente da PM de Goiás, Luciene de Moura Moraes, em 2010, completa 10 no setor operacional da corporação. Ela dirige a própria viatura e tem muita experiência no enfretamento de bandidos perigosos. “No momento do combate ao crime violento a policial deve estar preparada psicologicamente para usar a força dentro da lei e não pode pensar com o coração”, comenta. A soldado é especialista em armas longas e confirma ser uma excelente atiradora. “No começo da minha carreira havia bastante discriminação contra a mulher estar na linha operacional. Hoje muita coisa mudou, tanto no comportamento em relação ao trabalho feminino quanto na estrutura de trabalho oferecida, uma vez que estamos mais bem preparados para enfrentar o crime no que se refere a treinamento, inteligência e armamentos”, ressalta Luciene.

O delegado-geral adjunto da Polícia Civil, Cleuzo Omar Nascimento, lembra que até o final da década de 1980, havia restrições ao ingresso de mulheres na instituição. “Fazíamos uma prova física tão severa que era raro uma mulher conseguir romper os obstáculos e conseguir ser aprovada nos concursos. De lá para cá, a mentalidade mudou e hoje entendemos que a mulher é imprescindível e em muitos casos consegue desempenhar as funções com mais habilidade do que os homens, especialmente em setores de inteligência policial, proteção da criança e do adolescente, entre outras. Ainda não tivemos experiência de testá-las em nossa unidade de elite, o Grupo Tático 3 (GT-3), por falta de interesse das mesmas, mas estamos completamente abertos neste sentido”, ressalta Nascimento.  O quadro geral da Polícia Civil de Goiás é formado por 3.472 integrantes entre delegados, agentes e escrivães, sendo 980 mulheres. 

Aos poucos elas abrem espaço com o diferencial de serem intransigentes na aplicação da lei, absolutamente dedicadas às funções e terem no coração sensibilidade extra para gerenciar situações delicadas. Após dez anos na Polícia Civil, sete dos quais em atuação na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), a delegada Adriana Sauthier Accorsi tem exatamente esse perfil. “No exercício da atividade policial, a mulher do mesmo modo que tende a ter mais compaixão das vítimas, aplica a lei em relação ao criminoso com a rigidez estrita da lei. Comigo, por exemplo, não tem esse negócio de jeitinho.”

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