sexta-feira, 11 de março de 2011

Xerife na Civil: pulso firme, mas com estilo

Ana Batista Ramalho Soares é a primeira delegada-geral adjunta da história da Polícia Civil de São Paulo.
Newton Santos/Hype
Ana Paula Batista Ramalho Soares, delegada-geral adjunta: "fica fácil se você realiza seu trabalho com seriedade, se sabe o que está fazendo".
As respostas da mulher elegante e despojada ao mesmo tempo, num terninho xadrez príncipe-de-gales miúdo, camiseta branca, colar de pérolas em tons pastéis e pouquíssima maquiagem são precisas, dadas com calma. Mas é evidente que está preocupada com outra coisa, atenta ao celular.


"Estamos com uma grande operação em andamento contra o tráfico na Baixada Santista, com pelo menos 65 pessoas detidas, apreensão de entorpecentes e armas", explica a delegada-geral adjunta, Ana Paula Batista Ramalho Soares, a primeira mulher a ocupar o cargo na Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Ela representava na operação realizada na Baixada, na sexta-feira (21/1), o delegado-geral, Marco Carneiro Lima, que participava de um evento no interior. "Normalmente acompanho todas as ocorrências e também é parte das minhas atribuições substituí-lo em situações de impedimento", explica Ana Paula. Mil policiais participaram da ação, que se estendeu pelo Litoral Sul e Vale do Ribeira.

Mas ser pioneira em funções policiais, em geral masculinas, não é novidade para a paulistana de 47 anos. Em 2008, como diretora do Departamento de Análise e Planejamento (DAP), foi a primeira mulher, em 103 anos, a ter assento no Conselho da Polícia Civil. Agora, é sua vice-presidente.
Também está no topo da carreira: é delegada classe especial, numa escala que, hoje, começa na 4.ª classe e vai subindo até a 1.ª, antes de atingir sua posição atual. "É uma mistura de tempo de serviço e merecimento." Uma colocação difícil de ser atingida: dos cerca de 3.100 delegados do Estado, só 119 chegaram lá, sendo apenas quatro mulheres.

Tudo isso sem dar um tiro sequer com sua pistola .40, arma oficial de porte obrigatório. "Nunca me envolvi em uma ocorrência que tivesse tiroteio nos meus 23 anos de polícia. E isso não desmerece em nada o trabalho. Veja bem: se não tiver um inquérito bem feito, que é a atribuição do delegado, pode ocorrer a melhor prisão do mundo que o criminoso vai para a rua."

Marido – Na sua escalada, ultrapassou até o marido, também delegado, que está na 2.ª classe. Porém, não há competição, garante. "Ter marido com a mesma profissão ajuda muito. Um entende o que o outro está fazendo, os horários complicados, ter de sair no meio da noite, cumprir escalas que colocam você de manhã e ele, à noite."

A filha, de 16 anos, lida bem com a atividade profissional dos pais, diz Ana Paula. "Somos uma família de policiais: meu sogro é delegado aposentado, meu cunhado e minha cunhada também são delegados." A menina, de certa forma, "começou" na polícia bem cedo também. "Na gravidez, estava na Divisão de Capturas e trabalhei até a última semana antes de ela nascer." Mas não acredita que a filha seguirá seus passos. "Está mais para a publicidade, comunicação."

Celular – Mesmo com tanta compreensão, a garota considera a mãe uma workaholic. "Embora minha rotina seja de, pelo menos, dez horas diárias de trabalho, não levo serviço para casa, pelo menos não fisicamente..." Como assim? "Não carrego o notebook ou papéis para a folga. Mas o telefone celular (dois na verdade) está sempre ligado e a qualquer momento o trabalho pode aparecer para você."
Para dar conta da dobradinha policial e dona de casa, ela contou sempre com o apoio da família. "Isso faz parte da vida da mulher moderna", diz a delegada-geral adjunta, que não vê o menor problema em comandar os homens. "Fica fácil se você realiza seu trabalho com seriedade, se sabe o que está fazendo, não tem dificuldade nenhuma em sustentar a autoridade."

Newton Santos/Hype
Delegada explica como conciliar a carreira de policial, mãe e mulher.
Ela lembra que a presença feminina na Polícia Civil era rara até os anos 1980. "A partir de 1987/88, um grande número de mulheres passou a ingressar na carreira. Hoje, mais da metade dos aprovados em concursos para delegado são mulheres e as primeiras colocadas, também."


Ana Paula entrou para a polícia há 23 anos, já como delegada. "Cursei direito no Mackenzie e fiz estágio na Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado. Foi participando das audiências como advogada de quem não podia pagar que decidi ser policial."

Ela lembra que, nesse período, descobriu que gostava de conversar com os presos, saber a história deles. "Achei que, quando o caso chegava ao Ministério Público e ao Judiciário, já tinha perdido o aspecto pessoal. O delegado tem o contato direto, o flagrante, o calor do momento ou logo depois da ocorrência."


Estágio – Decidida, estudou apenas um mês para o concurso e passou de cara. "Os dois anos de estágio me deram sustentação para a prova. Foi como um médico estagiar no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas."

A policial começou a namorar o marido, com quem é casada há 21 anos, ainda na Academia de Polícia. "Tinha aula de manhã, à tarde e à noite. Não sobrava tempo para mais nada. Então era natural casar com alguém da academia", explica.

Da entrada na polícia, em 1987, até o cargo de delegada-geral adjunta passou por vários departamentos, digamos, "quentes". Começou logo num dos mais agitados, o Departamento Estadual de Investigações Sobre Narcóticos (Denarc). "Gostei muito desse período, achei o trabalho gratificante, porque a droga afeta todo mundo e está ligada a outros tipos de crime. Pensar que você vai tirar da rua uma pessoa que só fez o mal para a sociedade, saber que não vai atingir seu filho, irmão, vizinho, é compensador."

Professora – Foi diretora do DAP e, antes de assumir a Delegacia Geral Adjunta, trabalhou como divisionária no Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo (Demacro). Ainda encontra tempo para dar aulas na Academia de Polícia, de Organização Policial.
Na sala de móveis escuros e entalhados na sede da Secretaria de Segurança Pública, na Rua Líbero Badaró, no Centro, Ana Paula, em poucos dias, já deu o seu toque pessoal. Sobre a mesa de centro, por exemplo, um aromatizador deixa um leve toque de lavanda no ar e um anjo grande de cristal tem lugar de destaque na mesa de trabalho.

Aliás, a religiosidade está presente também na Bíblia, sempre aberta e nas várias imagens de santos e oratórios em cima do armário. "Ganhei todos, porque as pessoas sabem que gosto", explica a delegada, devota de Nossa Senhora Aparecida.


Sapatilhas – Outro sinal de novos tempos são as sapatilhas baixas que ela usa diariamente, embora sempre tenha sapatos altos também à mão, como a sandália rosé de salto fininho e plataforma na frente, estrategicamente disponível próximo da mesa, para um eventual compromisso formal.

"Foi ideia do delegado-geral e minha ter uma forma de trabalho diferente do que se via, mais próxima do policial. Ir pessoalmente fazer as coisas que em outras épocas as pessoas resolviam tocando uma campainha. Por isso as sapatilhas.
"Ando muito de sala em sala, uso escadas para ir de um andar para outro." O preparo físico vem das caminhadas matinais. "Não gosto de academia de ginástica, na verdade detesto ser comandada."

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