sábado, 19 de março de 2011

Sofrimento psíquico em policiais civis: uma questão de gênero


Apesar de concebida pelo senso comum como uma instituição predominantemente masculina, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro admite também mulheres entre seus servidores.

Em suas atividades diárias, elas relatam enfrentar dificuldades, frustrações e cobranças. Um estudo realizado pelo Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves), vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), uma unidade da Fiocruz, questionou 2.746 policiais, dos quais cerca de 19% eram mulheres, e descobriu que elas apresentam mais sofrimento psíquico que seus colegas de trabalho.

"Sofrimento psíquico é um conjunto de condições psicológicas que, apesar de não caracterizar um doença, gera determinados sinais e sintomas que indicam sofrimento" explica a psicóloga Edinilsa Ramos de Souza, coordenadora do projeto. O problema pode ser causado por diversos fatores, inclusive as condições de trabalho, como falta de instalações adequadas, estresse e falta de preparo para a função. "No dia-a-dia, o policial precisa continuar com o seu trabalho e não pode demonstrar fragilidade", acrescenta. "Isso aumenta o sofrimento e, muitas vezes, faz com que o profissional somatize as questões psicológicas em problemas de saúde, como pressão alta, insônia e dores de cabeça".

Assim, Souza alerta para a dificuldade de se relacionar os problemas enfrentados ao trabalho desenvolvido. O estresse ocupacional não pode ser facilmente medido e controlado, pois é vivido de forma diferente por cada indivíduo. Para avaliar a presença de sofrimento psíquico entre os policiais, a equipe do Claves avaliou questionários preenchidos pelos policiais com questões sobre distúrbios psicóticos e não-psicóticos. Além disso, foram feitas perguntas sobre saúde, condições de trabalho e qualidade de vida. A análise foi feita em função de três grupos ocupacionais: setor operacional (policiais que trabalham no atendimento direto à população em delegacias), setor técnico (responsável por desenvolver laudos e perícias científicas para apoiar as investigações) e setor administrativo.

Cerca de 20% dos policiais, independentemente do sexo, relataram sofrimento psíquico. O grupo lotado nas delegacias apresenta a maior porcentagem de funcionários com o problema (22,1%). Já entre as mulheres, as do setor técnico relataram mais sofrimento que as outras. "Devemos esse diferencial à sua maior capacitação profissional", conta Souza. "Elas têm mais consciência de sua condição e de seus problemas". Além disso, são as que mais exercem outras atividades remuneradas fora da polícia e, portanto, têm maior carga de trabalho. O setor abriga o maior número de mulheres entre os três grupos - cerca de 36% do total de funcionários.

Em todos os setores, as mulheres relataram mais sofrimento psíquico que os homens. Segundo Souza, isto pode estar relacionado ao fato de que as mulheres são mais sozinhas, dizem ter menos apoio social e apresentam uma visão mais pessimista de sua vida sexual e afetiva. Mas a pesquisadora ressalta, ainda, um agravante cultural para o sofrimento enfrentado pelas mulheres que trabalham na polícia: "Elas desenvolvem atividades que, na sociedade, são vistas como exclusivamente masculinas", diz. "Nesse sentido, a questão de gênero ultrapassa a questão do sexo. Enquanto o sexo é uma condição biológica, o gênero é uma condição cultural. A própria instituição policial tem regras voltadas aos homens. A polícia ainda não se adaptou totalmente para a chegada das mulheres".

A pesquisa nasceu de um grande trabalho realizado pelo Claves junto à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro - publicado em 2003 sob o título Missão investigar: entre o ideal e a realidade de ser policial (Editora Garamond), e já começa a dar frutos. Depois de chegar à conclusão de que a polícia não possui um programa específico para apoio emocional e psicológico aos funcionários, a equipe propôs um modelo que está sendo implementado experimentalmente em diferentes delegacias. Os primeiros resultados do trabalho devem ser divulgados no início de 2006. Paralelamente, os pesquisadores desenvolvem um estudo semelhante junto aos policiais militares. "Vamos insistir nesses trabalhos porque esse é um tema muito pouco explorado", justifica Souza. "Já se estudou muito a instituição, mas não os policiais".


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