sábado, 19 de março de 2011

Segurança - Delegados do século XXI

GOSTEI DA REPORTAGEM, POR ESTA RAZÃO ESTOU POSTANDO!!


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Aprovados em um concurso mais difícil do que o vestibular para medicina da UFRJ, eles querem mudar a imagem de quem combate o crime na cidade
Sofia CerqueiraFotos de Fernando Lemos
Ela nunca tinha entrado em uma delegacia
Delegada adjunta da 14ª DP, no Leblon, Renata Montenegro, 29 anos, seguia sua rotina de estudar para concursos públicos quando foi aprovada no que selecionava novos delegados. No curso de formação, acompanhou uma necropsia e aprendeu a atirar, duas coisas que jamais havia imaginado fazer. "Nunca tinha entrado em uma delegacia", diz ela. "Aqui se vê a vida como ela realmente é."

A cena aconteceu na entrada da 14ª Delegacia de Polícia (DP), no Leblon. Um policial militar queria comunicar um flagrante e deparou com uma moça bem vestida, de salto alto, com longos cabelos louros, próxima à porta. "Tenho de falar com o delegado", disse. "Pois não", respondeu ela. "Preciso falar com o delegado", insistiu. "Sou eu", repetiu ela. "Ah, não imaginava, doutora!", desculpou-se o PM. Episódios como esse são comuns na rotina de pessoas como Renata Montenegro, 29 anos, integrante da turma de novos delegados que, neste mês, completa um ano na Polícia Civil do Rio de Janeiro. Com idade entre 26 e 40 anos, eles se destacaram em um concurso disputadíssimo e desde então arriscam a vida para combater o crime na cidade e sonham em mudar a imagem da corporação. Dos 9 216 bacharéis em direito inscritos no último concurso, só 64 foram aprovados (44 homens e vinte mulheres), embora houvesse 100 vagas. Para se ter uma noção da dificuldade, a relação de candidatos por vaga – 92,1 – foi bem acima dos 27,1 que o curso de medicina da UFRJ, o mais concorrido da instituição, teve no último vestibular.
Treinos com fuzis e curso de rapel
Formada em direito pela Universidade Cândido Mendes, a delegada assistente da 9ª DP (Catete), Daniela Rebelo, 32 anos, sempre quis ser policial. Em um de seus plantões na delegacia do Leblon, onde já trabalhou, precisou pular o balcão para render um suspeito que se aproveitara do descuido de um policial e tentava lhe roubar a arma. Em outra ocasião, impediu que um preso se enforcasse na cela da delegacia. Treina tiros com fuzis M-16 regularmente e já fez um curso de rapel oferecido pela Acadepol.
A carreira dos aprovados começa com o cargo de delegado adjunto, que significa plantões de 24 horas seguidos por 72 horas de folga. "É nosso lugar mais importante, nossa porta de entrada", destaca o recém-empossado chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski. "Eles chegam com ímpeto, preparados juridicamente, e recebem a população como gostariam de ser tratados." Ali deparam com problemas sociais corriqueiros, mas também com verdadeiras barbáries. "É impossível ser a mesma pessoa depois de um ano de polícia", descobriu Renata Montenegro.
Em um estado onde em 2008 foram registrados 5 717 homicídios dolosos, os iniciantes passam em cada plantão por novas e inusitadas situações. Logo que começou a trabalhar na 5ª DP (Mem de Sá), sua lotação inicial, Renata foi obrigada a pôr o distintivo no peito e a sair com a pistola PT 940 – arma da corporação – na cintura. Um motoboy acabara de ser morto no Morro Azul, no Flamengo, e a suspeita recaía sobre PMs. Moradores fecharam uma rua e incendiaram carros. "Fui colher informações e precisei enfrentar a população enfurecida", lembra ela, filha de um médico e de uma funcionária pública que até então nunca havia posto os pés numa delegacia.
Das páginas de esporte para as de crimes
O ex-jogador profissional de basquete Marx Carvalho, 40 anos, é hoje delegado adjunto da 35ª DP (Campo Grande), uma região que, além de palco de toda sorte de crimes, é alvo de uma sangrenta guerra entre milícias. "Já deparei com uma vítima atingida por vários disparos de fuzil na cabeça", relata. Há um mês, experimentou a dor de perder um colega de trabalho. Um de seus inspetores foi morto próximo à rodoviária local e a suspeita é que seja mais uma vítima das milícias.
Antes de assumirem a função, os aprovados passam quatro meses na Academia de Polícia (Acadepol), onde têm aulas, entre outras disciplinas, de direitos humanos e defesa pessoal. "O enfoque da formação é voltado para a inteligência policial", afirma Sérgio Lomba, que dirigia a Acadepol no período de formação dessa turma. Na Acadepol, aprendem a atirar com revólveres e pistolas, escopetas de calibre 12 e fuzis AR-15 e M-16. Boa parte dos aprovados é de recém-formados que fazem concursos públicos em busca de um emprego estável e bem remunerado. "Apostamos nessa capacidade técnica aliada à vocação, que alguns têm e outros podem adquirir", explica o chefe de polícia. O salário inicial de um delegado é de 7 900 reais. O concurso para promotor do Ministério Público Estadual, com inscrições abertas, oferece para começar uma remuneração de 19 000 reais.
GPS para achar o caminho da DP
Filho de um procurador, Roberto Lizandro, 27 anos, estudava para ser juiz. Fez o concurso para delegado, passou e gostou da ideia de ser policial. Para não se perder a caminho da Baixada Fluminense, para onde foi inicialmente designado, instalou um GPS no carro. Já trocou tiros com traficantes e, em outra ocasião, teve de controlar a revolta de quarenta moradores de uma favela vizinha à 54º DP (Belford Roxo), aglomerados na porta da delegacia após a morte de um morador.Hoje ele é adjunto da 5ª DP (Mem de Sá), cuja jurisdição inclui a outrora perigosíssima região da Lapa.
Em média, cada delegacia do Rio registra entre vinte e sessenta ocorrências por dia. Uma realidade que Sérgio Sahione, o mais jovem delegado do estado – foi aprovado aos 24 anos e hoje tem 26 –, conhece de perto. Adjunto da 54ª DP (Belford Roxo), na Baixada Fluminense, filho de um dentista e de uma funcionária do Banco do Brasil, ele já ingressou na UFRJ com o objetivo de ser policial. Em um ano, participou do combate ao tráfico em favelas, viu de perto o resultado de chacinas e orgulha-se de ter prendido, após minuciosa investigação, quatro envolvidos no estupro e morte de uma menina de 15 anos. "Aqui é o para-raios da degradação humana", considera. "Ninguém chega à delegacia para dar bom-dia."
Como ele, sua colega de turma Daniela Rebelo, de 32 anos, sonhava havia tempo em ser policial. "Estudei seis anos, dez horas por dia, para estar aqui", afirma ela, que mora na Barra e concluiu o curso de direito em 2000. "É uma profissão na qual nenhum dia é igual ao outro", empolga-se. Há dois meses ela foi promovida a delegada assistente da 9ª DP (Catete). A boa estampa de Daniela, que não dispensa salto alto e maquiagem, chama atenção na delegacia, bem como sua disposição para o trabalho. Exímia atiradora, foi a única mulher entre vinte policiais a fazer o curso de progressão em área de risco. Isso significa passar uma noite na mata e fazer exercícios de sobrevivência em ambiente confinado, algo parecido com o terrível treinamento de policiais apresentado no filme Tropa de Elite.
O número 1
Ex-oficial de Justiça, Antônio Furtado, 37 anos, foi o primeiro colocado no último concurso para delegado. "Lidamos com o ser humano em seus piores momentos", diz ele, que corre três vezes por semana para relaxar e estar pronto para as eventualidades. Delegado adjunto da 12ª DP (Copacabana), coube a Furtado investigar o tiroteio que resultou na morte de quatro bandidos surpreendidos em uma van por PMs ao sair da Ladeira dos Tabajaras, na recente guerra entre traficantes que levou terror à Zona Sul.
Se alguns chegam à polícia por vocação, outros precisam de tempo para se habituar à rotina. Filho único de um procurador e de uma advogada, Roberto Lizandro, 27 anos, deixou a casa dos pais, em Campos, no norte do estado, para tentar ser juiz de direito. Prestou concurso para delegado e se encantou com a profissão. Antes do curso de formação, ele nunca havia estado na Baixada Fluminense. Foi designado para a 54ª DP (Belford Roxo) e depois para a 62ª DP (Imbariê), ambas naquela região. Para não se perder no caminho, instalou um GPS no carro. Resolvida a questão, adaptou-se ao ambiente. Participou da maior apreensão de crack ali registrada em 2008 e recebeu um elogio, publicado no boletim interno da Polícia Civil, por ter recusado suborno de 8 000 reais e ter prendido dois suspeitos de fraude contra seguradoras. "As pessoas ainda imaginam um delegado de camisa aberta, pouco instruído e corruptível", diz ele, hoje adjunto da 5ª DP (Mem de Sá). Madeleine Rangel, 27 anos, igualmente campista, é outra que contraria qualquer estereótipo. Sua aparência delicada contrasta com o estilo firme que impõe na 24ª DP (Piedade), área de grande incidência de roubos de veículos, rodeada por favelas violentas. Assim que começou a dar plantões, tinha o hábito de acender incenso na sala. "Virou chacota", lembra. "Tinha a nítida impressão de que achavam que eu não sobreviveria ao primeiro plantão." Deixou os incensos de lado e abandonou a alimentação vegetariana, mas continua meditando regularmente. "Busco equilíbrio e sabedoria para agir com correção", explica.
O mais jovem da turma
Formado pelo curso de direito da UFRJ, Sérgio Sahione, 26 anos, é o mais jovem delegado do estado. Plantonista da 54ª DP (Belford Roxo), ele só descansa na delegacia, durante as madrugadas, com um fuzil M-16 junto ao corpo. "Tudo o que ganha repercussão extraordinária na Zona Sul acontece aqui rotineiramente", compara Sahione, que deixou sua família desesperada quando decidiu assumir o cargo.
Disciplina sempre fez parte do dia a dia de Marx Carvalho, 40 anos, 1,97 metro de altura. Ex-jogador profissional de basquete, com passagem por times da Europa e dos Estados Unidos, ele agora dá expediente na 35ª DP (Campo Grande). "Chegou um momento em que queria uma profissão mais estável", conta ele, que entrou na faculdade de direito aos 30 anos. "Nunca tinha visto um cadáver." Agora já viu vários, com diversos tiros de fuzil na cabeça, a marca dos crimes de milícia. Como todos os delegados, devido à falta de pessoal, ele é responsável por flagrantes de outras unidades, além da delegacia sob seu comando. De acordo com a Secretaria de Polícia Civil, há 578 delegados em atividade no estado e um déficit de 293 profissionais. "O delegado de plantão é quem tem contato direto com a vítima na hora do clamor e quem pode fazer toda a diferença na busca pela Justiça", observa a delegada adjunta da 14ª DP (Leblon), Tatiana Queiroz, 34 anos. Criada na Barra, ex-aluna da PUC, ela chegou a pensar em ser surfista profissional. "Mas desde criança também tinha planos de seguir a carreira de policial." Tatiana, que foi oficial de cartório antes de passar no concurso, encara com bom humor as tentativas de carteirada na delegacia. "Mostro a minha com o distintivo e digo que é mais bonita."
O ex-jogador de polo aquático Leandro Aquino, 28 anos, delegado assistente da 34ª DP (Bangu), é mais um que está acostumado a todo tipo de abordagem. Antes de passar no último concurso, foi inspetor por sete anos. Percorre diariamente cerca de 40 quilômetros de sua casa, na Zona Sul, até aquela região cercada por favelas onde os policiais só entram de caveirão – veículo blindado da PM – e que abriga o Complexo Penitenciário de Bangu. "Exposto ao mundo cão, você passa a dar mais valor à vida e a ter mais receio", admite. Primeiro colocado entre os 9 216 candidatos do concurso, Antônio Furtado, 37 anos, pôde escolher o seu posto. Optou pela 12ª DP, em Copacabana. "A delegacia de bairro é como uma clínica geral. A gente depara com todo tipo de crime", diz ele, morador da Zona Sul. "A impressão é que cada mês na polícia corresponde a um ano de vida."
Contra o stress, incenso e meditação
A delegada adjunta da 24ª DP (Piedade),Madeleine Rangel, 27 anos, era vegetariana e acendia incensos em sua sala nos primeiros plantões. Venceu a desconfiança dos colegas mostrando bons resultados. Chegou a passar trinta horas trabalhando na investigação de um assalto seguido de morte. Ao final do extenuante plantão, tinha dois presos e cinco prisões preventivas decretadas. Depois de ter sido elogiada no boletim interno da polícia, vai receber agora uma medalha do Exército por serviços prestados na área.


O mais jovem da turma
Formado pelo curso de direito da UFRJ, Sérgio Sahione, 26 anos, é o mais jovem delegado do estado. Plantonista da 54ª DP (Belford Roxo), ele só descansa na delegacia, durante as madrugadas, com um fuzil M-16 junto ao corpo. "Tudo o que ganha repercussão extraordinária na Zona Sul acontece aqui rotineiramente", compara Sahione, que deixou sua família desesperada quando decidiu assumir o cargo.


O medo de ver um amigo morto
Como delegado assistente, Leandro Aquino, 28 anos, dá expediente diariamente na 34ª DP (Bangu). "Meu maior medo é um dia estar trabalhando e me deparar com um crime envolvendo um amigo ou alguém da família", revela. Na região, cercada por favelas violentas como Coreia e Vila Aliança, ele defronta com ocorrências que vão do tráfico de drogas ao ex-namorado que mata a amada com chumbinho (veneno para rato) misturado na manteiga.


Das ondas para a polícia
Formada pela PUC e ex-oficial de cartório, Tatiana Queiroz,34 anos, surfa pelo menos uma vez por semana na Barra da Tijuca. Depois do concurso, já passou pelas delegacias da Ilha do Governador e do Leblon, onde atualmente é adjunta, mas o gosto pela profissão surgiu antes, quando trabalhava no cartório da delegacia da Barra. Lá participou das investigações de dois casos de grande repercussão: a execução do casal Staheli por um caseiro em um condomínio e o assassinato de um piloto russo num hotel.

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