terça-feira, 1 de março de 2011

Mês da MULHER

Com trabalho e sensibilidade, mulheres rompem preconceitos na polícia de SP

Policiais e peritas falam de seu dia-a-dia na profissão em São Paulo.
Elas garantem que fazem o mesmo trabalho dos homens, e melhor.
Luísa Brito e Marcelo MoraDo G1, em São Paulo
 
Ampliar FotoFoto: Daigo Oliva/G1

Alexandra Comar de Agostine, delegada titular da 4ª delegacia da divisão de homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) com 37 anos (Foto: Daigo Oliva/G1)

Maquiadas e de salto alto, elas andam armadas, vão às ruas atrás de suspeitos e criminosos, comandam equipes de policiais e peritos e, quando preciso, exercem a autoridade, sem perder a feminilidade e a sensibilidade.

As mulheres que atuam na área da segurança pública de São Paulo garantem fazer os mesmos trabalhos que os homens, se arriscam também a dizer que os executam melhor do que eles e não gostam de comparações.

E neste domingo (8), quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher, as personagens escolhidas pelo G1 para comentar seus papéis numa sociedade machista vão além. Uma delas se atreve a dizer: "as mulheres vão dominar tudo". A começar pela própria polícia.



“Não me esforço mais para ser melhor do que os homens. Sempre fiz o meu trabalho exigindo de mim mesma o melhor”, diz Alexandra Comar de Agostine, de 37 anos, titular da 4ª delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. São 14 anos como delegada.

Com 53 quilos distribuídos em 1,70 metro, medidas perfeitas para uma top model, Alexandra diz ter enfrentado preconceito velado pelo fato de ser mulher e bonita. “Nunca ouvi nada, mas já senti que pensavam algo preconceituoso de mim. Mas a mulher reverte isso com sua capacidade de trabalho”, conta ela, que diz sempre ter sido respeitada pelos colegas por causa de sua linha de trabalho.

"Já me emocionei e chorei em vários casos e acho que isso não é sinônimo de fraqueza", diz Alexandra, que, apesar disso, conta que não deixa de fazer nenhuma atividade policial, como ir ao local de um crime ou participar de situações perigosas, como tiroteios, por exemplo. "Gosto de investigar, ir para a rua. Seria frustrada se não fosse delegada".


 Única mulher titular de uma das oito seccionais de polícia do estado de São Paulo, Elisabete Ferreira Sato Lei, de 52 anos, delegada desde 1989, diz que já sofreu preconceito e trabalhou para afastar o problema no início da carreira. “Quando assumi uma delegacia no DHPP, no início da carreira, o chefe da época disse ‘Vamos ver se a senhora não vai ser uma secretaria melhorada’. No segundo mês, minha equipe foi a primeira colocada”, conta ela.

Depois desse episódio, ela teve o bom desempenho destacado como exemplo pelo chefe. Diz já ter sido chamada para assumir uma delegacia de combate às drogas na escola após quatro delegados homens terem passado pelo local, em apenas um ano, sem êxito. “Sempre fiz tudo para não falarem que era isso ou aquilo por eu ser mulher. Tive minhas TPMs [tensões pré-menstruais] todos esses anos e nunca faltei no trabalho por causa disso”, diz.
'Choro ainda'



Ampliar FotoFoto: Marcelo Mora/G1

Jane Marisa Milioni Pacheco Belucci, chefe da perícia técnica do DHPP. "Falam que a gente fica fria. Fica coisa nenhuma" (Foto: Marcelo Mora/G1)

Antes de se tornar chefe da perícia técnica do DHPP, Jane Marisa Milioni Pacheco Belucci, de 46 anos, 24 deles dedicados à profissão, era pianista e dançava balé. “Sou filha única. Fiz essas coisas, sabe? Daí, fui ser perita. Mas não perdi a sensibilidade. Falam que a gente fica fria, né?. Fica coisa nenhuma. Eu choro ainda, sabe?”, afirma.

Do pai, delegado de polícia, Jane diz ter herdado a vocação. “Eu sempre gostei. Eu queria ser médica-legista, queria partir para este campo. Ou, senão, para Promotoria. Alguma área assim, de briga. Sou bióloga, fiz Direito. Fiz especialização em Anatomia e Fisiologia. Prestei concurso para perita. Passei e fui trabalhar em Guarulhos. E vi que a nossa profissão é maravilhosa”, conta.

No início, tanto em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde começou como perita, quanto no DHPP, afirma ter enfrentado a desconfiança dos colegas de trabalho. “O que eu senti foi a discriminação de vários colegas, quando eu comecei. Tanto em Guarulhos, mas mais aqui no DHPP. Eu senti isso. Pareciam que me deixavam um pouco de lado, queriam ver o que eu fazia para ver se eu fiz direito. Parece incrível! Quanto mais duvidavam, mais eu me saía bem”, gaba-se.

Para Jane, a mulher, com a sensibilidade que lhe é peculiar e a experiência adquirida nos últimos 20 anos, está virando a mesa nas mais variadas áreas da polícia. “Põe na sua cabeça, as mulheres vão dominar tudo. Em todo lugar que merece, que tem de ter um centro, um ser pensante, é uma mulher, não é? Conquistamos respeito e credibilidade e discutir com a gente depois de um certo tempo de homicídio, fica duro”, afirma, sem falsa modéstia.

'Menos corruptível'

Antes de dominarem a cena, no entanto, as mulheres precisaram superar as pressões até mesmo dentro de casa. Aos 48 anos, Silvana Françolim, delegada-titular do 89º Distrito Policial, no Portal do Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, por exemplo, escuta conselhos dos mais velhos até hoje. “Minha mãe quis morrer quando soube que eu havia prestado concurso para ser delegada. Até hoje as minhas tias não se conformam. Quando teve aquele confronto em Paraisópolis [favela do Morumbi], elas me ligaram, me dizendo para não ir para lá, para tomar cuidado”, conta.

Silvana diz que a presença da mulher “humanizou e equilibrou” a instituição polícia. “A mulher é mais legalista, menos corruptível. É mãe e, por isso, mais intuitiva. No trabalho, tem maior sensibilidade para perceber algo de errado, tem uma preocupação maior com os funcionários”, diz.

O tratamento igualitário é dispensado a todos, sem exceção, reforça a delegada. Até mesmo para quem se tornou, de uma hora para outra, uma espécie de inimigo público número 1. “Sempre procurei tratar bem a todos, até mesmo os marginais. Quando a [Anna Carolina] Jatobá ficou detida aqui, ela quis, em uma de suas saídas, que eu a acompanhasse. Ela me pediu para não sair com homens, porque a tinham machucado antes”, revela Silvana, sobre a madrasta de Isabella Nardoni, assassinada aos 5 anos de idade em 29 de março de 2008. Jatobá e o marido dela, Alexandre Nardoni, pai de Isabella, estão presos acusados pelo crime. Para o Ministério Público, o casal jogou a menina do sexto andar de um apartamento na Zona Norte.

A  sensibilidade da delegada ainda encontra tempo para que Silvana faça trabalho voluntário em um parque de São Paulo. Ela dá aulas de dança do ventre para a terceira idade. “É uma dança-terapia. Dou aula há uns seis anos. Faço dança desde 1995. É algo para espairecer, trabalha o emocional. O importante é o equilíbrio”, reforça.

'Pessoas mentem'
  
Ampliar FotoFoto: Raul Zito/G1

Médica-legista Alba Blasotti, chefe da equipe de perícias médico-legais do Instituto Médico Legal (IML) do Centro, de 43 anos (Foto: Raul Zito/G1)

Chefe da equipe de perícias do Instituto Médico Legal (IML) do Centro, Alba Blasotti, de 43 anos, também enfrentou resistência da família quando anunciou que prestaria concurso para ser médica-legista, profissão que exerce há 18 anos. “Para eles (da família), legista é médico de morto. A minha mãe é um pouco resistente até hoje”, diz.

E, talvez, para insatisfação da mãe, Alba diz preferir, fazendo jus à sua escolha profissional, lidar com os que já se foram dessa vida. “Eu prefiro cadáveres. Ele 'conta' para você o que aconteceu com ele. As pessoas mentem. Você viu o caso dessa advogada da Suíça”, indaga, referindo-se à advogada Paula Oliveira, que alega ter abortado de gêmeos depois de um ataque de neonazistas.

No local de trabalho, especificamente, conta que quase não enfrentou resistência ou desconfiança, apesar de admitir que, quando começou, a profissão era essencialmente masculina. “Já havia mulheres legistas na época, mas poucas. Têm aquelas brincadeiras, de que lugar de mulher é na cozinha, mas fica nisso. E tem sempre um ou outro que te testa. Mas a gente está ocupando os espaços, porque a mulher tem mais responsabilidade”, afirma. 


'Mais atentas'
Para exercer a profissão de perito criminal ou médico-legista, é preciso ter o perfil adequado. Isso vale para homens e mulheres, na opinião de Rosângela Monteiro, de 43 anos e perita criminal assistente da diretoria do núcleo de perícias em crimes contra a pessoa do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Técnico-Científica de São Paulo.


Ampliar FotoFoto: Raul Zito/G1

Aos 43 anos, Rosângela Monteiro é perita criminal assistente da diretoria do núcleo de perícias em crimes contra a pessoa do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Técnico-Científica de São Paulo (Foto: Raul Zito/G1)

Ela ficou conhecida em todo o país depois de ter assinado o laudo do IC que reforçou a tese da Polícia Civil para incriminar o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pela morte da menina Isabella. “Esse caso expôs o trabalho do perito. Queriam respostas que eu não podia dar na hora. É um perigo um perito se manifestar precipitadamente. Depois disso, talvez a imprensa compreenda que não é má vontade da nossa parte”, diz.

Rosângela Monteiro se proclama uma “bandeirante” no IC. “Havia mulheres, mas nos laboratórios, fazendo trabalhos internos.” Há 22 anos, quando entrou para o instituto, ela diz ter sofrido preconceito, principalmente por parte dos profissionais mais velhos. “Eles tiveram que se acostumar com a minha presença. Sou muito objetiva. Nunca tive dúvidas. Desde o início quis trabalhar na área de crimes contra a pessoa”, afirma, convicta.

Graduada em Psicologia, Rosângela diz que a mulher leva vantagem, até com comprovação científica, em relação ao homem para exercer a função de perita. “Biologicamente, as mulheres são mais atentas, percebem mais os detalhes, as cores”, explica.

Mas a principal vantagem das mulheres, sem dúvida, nem precisa de qualquer explicação. “A mulher não tem necessidade de esconder esse lado humano. Trabalhamos com o que há de pior do ser humano, como homicídios, agressões, todo tipo de violência, mas nem por isso temos de ser frias. É preciso manter um distanciamento, mas nunca frias”, sintetiza Rosângela, fazendo coro com suas colegas de trabalho. E dando uma cara cada vez mais humana para polícia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário